HOJE, DIA 29 DE JANEIRO SE COMEMORA O DIA NACIONAL DA VISIBILIDADE DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS, E, EM COMEMORAÇÃO A ESSA DATA O BLOG ICM TERESINA ENTREVISTOU A GRANDE DAMA DO MOVIMENTO LGBT NO PIAUÍ, A SENHORA MONIQUE ALVES, PRECURSORA NA MILITÂNCIA DE NOSSO ESTADO.
ENTREVISTA COM MONIQUE ALVES
PRA VOCÊ, O QUE É SER UMA TRAVESTI DENTRO DESSA SOCIEDADE?
Monique Alves – Em minha opinião acho meio complicado pras pessoas, pra
mim não, eu sou decidida, sou resolvida, eu sei o que quero e foi assim que
escolhi pra viver. Mas pras pessoas é meio complicado a pessoa nascer de um
gênero e depois aparecer de outro se apresentar como se fossem de outro gênero,
como no caso as travestis, que nascem com o gênero masculino, mas que com o
passar dos tempos elas se apresentam como sendo do sexo feminino, mas eu me identifico
me classifico, me considero uma pessoa normal, como outra qualquer, e tenho
todas as características de um ser humano normal. Agente que é travesti, as
pessoas têm até certo medo, certo receio de que agente não seja normal, às
vezes pra certas pessoas é como se agente fosse assim um bicho, uma fera, que
ninguém pode nem chegar perto que morde, que come, que faz e acontece. Eu acho
que não é assim, toda travesti é um ser humano igual a qualquer pessoa, agente
tem sentimento, agente tem coração, agente tem tudo que as outras pessoas têm,
então assim, o que nos difere, ou o que me difere, (vou falar por mim, não vou
falar aqui pelos outros, mas por mim), das outras pessoas é apenas minha
identidade de gênero. Eu nasci de um gênero e hoje me apresento de outro, essa
é minha diferença, que muitas vezes essa diferença é que faz com que as pessoas
não aceitem não me aceite, e ai ocorra o preconceito, a discriminação e até a
violência.
VOCÊ PODERIA NOS EXPLICAR COMO FOI ESSE PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO? VOCÊ
DISSE QUE NASCEU EM UM GÊNERO E AGORA SE APRESENTA COMO OUTRO, COMO SE DEU ESSE
PROCESSO?
Monique Alves – Olha foi muito difícil, pra ser sincera foi um drama, um
verdadeiro drama na minha vida. Às vezes eu ouvi muitas pessoas me dizerem que
eu estava mudando, me transformando de gay pra travesti, porque ninguém nasce travesti
agente se transforma em travesti, agente é homossexual, gay, como as pessoas chamam,
mas pra você ser travestisse que fazer uma mudança. Então quando eu estava
nesse período de transformação pra essa mudança pra travesti, eu vi muitas
pessoas dizerem que eu estava “cavando a minha própria sepultura”, porque que
elas diziam isso? Porque elas já tinham experiência de vida, sabia qual era a
vida de uma travesti, o que uma travesti enfrentava e o que não enfrentavam. Quando
agente ta nesse período de transformação, geralmente quando agente está nessa
faze, agente é novinha, tem seus 14 anos, na minha época era com 21, depois dos
20 anos, hoje não você já vê travesti de 10, 11, 12 anos, tem gente ai que já é
travesti, mas na minha época não era assim, era diferente. Então assim, pela experiência
de vida delas, eu cansei de ouvi-las falarem que eu estava “cavando a minha
própria sepultara”. Na época eu não tinha a menor noção do que aquela frase
representava, mas hoje, eu sei o que é que essa frase representa e acho que é a
pura verdade. A pessoa que nasce do gênero masculino e depois sente essa
necessidade de se transformar para o gênero feminino como agente faz. Acho que
pelas dificuldades que enfrentamos, pela vida que agente tem que levar, pelo o
preconceito, discriminação, violência, rejeição e a intolerância das pessoas,
realmente essa frase diz tudo: É como se você tivesse cavando a sua própria
sepultura”.
VOCÊ JÁ SOFREU ALGUM TIPO DE VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA OU FÍSICA? SE SIM,
FOI DENTRO DE CASA OU NA RUA?
Monique Alves – Olha, agressão eu sofro todo dia, toda hora. Faço como diz
Luiz Mott, que a cada um dia e meio um homossexual é morto no Brasil, dizia né,
hoje não sei se já aumentou. E sobre essa questão de violência eu digo que a
cada 3 minutos agente é violentada no Brasil, é agredida, massacrada,
insultada. Porque a violência física, a morte é apenas a concretização daquilo
que a pessoa quer fazer. A palavra violência é bastante ampla, tem uma amplitude
muito grande que se formos relatar, questionar, se impor, agente fica louca,
porque o desrespeito é muito grande. Toda hora somos discriminadas, destratadas,
maltratadas pelas pessoas, então ou você é um bom ator, uma boa atriz e
apreende a viver com esse tipo de intolerância ou se mata pira, ficam loucas. Por
isso muitas se matam se enforcam, porque não aguentam a pressão, não aguentam a
discriminação que é muito grande. Dentro de casa é onde começa o preconceito,
foi dentro de minha casa que comecei a ser discriminada, lá que era pra ser um
local de acolhimento, repito essa frase que não é minha, torna-se o primeiro
local de exclusão, e se a pessoas são excluídas dentro de sua própria casa, o
que é que o mundo vai ter mais para oferecer? A intolerância contra os
homossexuais é em todo lugar, não existe isso de dizer que é só aqui, ou só acolá.
NA SUA OPINIÃO, QUAL A PIOR DISCRIMINAÇÃO, A SOFRIDA EM CASA OU A DA RUA?
Monique Alves – As duas são péssimas. É lastimável você ser
discriminada, se sentir rejeitada, excluída, isso é triste em qualquer situação
da vida, em qualquer ocasião, em qualquer lugar. Ninguém quer ser diminuída,
discriminada, humilhada, maltratada. Mas se fosse pra optar entre a exclusão da
rua ou de casa, eu preferiria a da rua. Porque minha casa é meu porto seguro, é
lá que vivo que existo, porque a rua é a rua. Eu espero tudo do pessoal da rua,
mas de meu pai e minha mãe nunca espero nenhuma barbaridade, pois são meus
pais, meu sangue. Agora da rua, o nome mesmo já diz, é a rua, o estranho, não
espero nada das pessoas da rua. Mas meu Deus! O quanto eu sofri dentro de casa
ou que sofro do meu sangue. Se minha família não me aceita, quem mais vai me
aceitar? Meu Deus! É muito triste!
MONIQUE VOCÊ FOI A PRECURSORA DO MOVIMENTO LGBT NO PIAUÍ. FOI POR CONTA
DA VIOLÊNCIA?
Monique Alves – Tem várias respostas pra essa pergunta, sempre que agente
fala nisso, às vezes falo uma coisa, às vezes outra, mas sempre afirmo que
iniciei essa luta contra o preconceito, discriminação por uma questão de sensibilidade
humana, de não conformismo, de não achar justo. Eu tenho coração, sou humana.
Eu sinto principalmente quando vejo outro homossexual, um semelhante meu ser
discriminado, ser massacrado, eu sinto, tenho coração, sou gente. O que via na
rua, outros homossexuais, outras travestis passarem, aquilo me ofendia, me
agredia, era como se estivesse ali também. Hoje era ela, amanhã pode ser eu.
Entre os homossexuais não existe essa diferença de ser preto, branco, rico ou pobre
todos correm o mesmo risco, isso é uma questão social. Acho que muitos
homossexuais que não se juntam a movimento ou se juntam mais não querem lutar é
só besteira da cabeça deles, porque o final todo mundo sabe qual é, é o mesmo.
Iniciei por uma questão humana e também por uma questão de justiça, pois acho
que todos são iguais em direitos, ninguém é diferente. Se existe lei, uma
constituição, tem que ser cumprida, e no caso dos homossexuais a constituição
não é cumprida. Nós somos desrespeitados pela própria constituição todo dia,
isso não é certo, não é justo. Agente tem que lutar sim, temos que aumentar
essa corrente. Eu não concordo com isso, nem vou concordar nunca.
E A HISTÓRIA, COMO VOCÊ COMEÇOU O MOVIMENTO SOCIAL?
Monique Alves – Eu sempre me inspirei no Luiz Mott, um dos grandes
precursores do movimento gay do país e no Grupo Gay da Bahia, que foi um dos
primeiros a surgir no Brasil, que na década de 80, 90 foi e tem sido anos um
dos grupos de maior projeção no Brasil. Inspirei-me muito no GGB, no que os via
fazer, até copiei certas coisas, inclusive tive apoio do próprio GGB na época,
então comecei a me inspirar neste fato. Nessa época em Teresina existia nos
jornais uma parte de classificados. Os únicos meios de comunicação que agente
tinha era ou o jornal impresso ou rádio, não existia internet nem celular.
Então tive uma ideia de colocar um anuncio no jornal convidando as que se interessassem,
pois eu estava iniciando um movimento em favor das pessoas homossexuais. Foi ai
que tudo começou, apareceram pessoas. Juntei-me com muitas que deram e ainda dão
à cara a tapa comigo. Foi muita dificuldade, pois na época existia muita
violência, muita morte, crimes, muito desrespeito. Só se falava de homossexuais
pra chingar ou exculhambar. Hoje não, já conseguimos até leis que proíbem a
discriminação. Hoje se alguém for discriminado, só se não for atrás da justiça,
mas se for ganha o direito de ser respeitado. Já houve um avanço muito grande,
mas na época isso ainda não existia. Homossexual era como se fosse um lixo, não
tinha defesa, era como se fosse um ninguém. Foi por essas injustiças que
resolvi me levantar, por sentir até na própria pele.
VOCÊ SE SENTE RECOMPENSADA POR TODO SEU TRABALHO?
Monique Alves – Recompensada não. Porque o preconceito continua o mesmo,
a discriminação continua a mesma, os problemas continuam o mesmo, apesar de
todas essas conquistas que acabei de falar, no entanto é só no papel, se não estivermos
lá, lutando, brigando, fazendo e acontecendo não vale nada. Então assim, não me
sinto recompensada, mas me sinto gratificada, em paz com minha alma, minha consciência.
Vê hoje pessoas que antes apedrejavam homossexuais jogar flores, fico em estado
de êxtase, vejo gente que antigamente se pudessem mandavam matar homossexuais, nos
tratavam como se não fossemos gente, hoje dizem que não sente nada, dizem que
não tem preconceito, até se juntam a nós, apoiam nossa causa, para mim isso é
como se fosse um prêmio.
QUAL O CONSELHO VOCÊ DARIA PARA AS TRAVESTIS QUE ESTÃO COMEÇANDO?
Monique Alves – Fica difícil dizer o que é certo e o que é errado, pois
o que é certo pra um pode não ser certo pra outro. Mas eu aconselho a toda
pessoa homossexual, não só travesti que tomem mais cuidado com a vida, que se
previnam das DST, da violência. Que aproveite as oportunidades. Homossexual só
vale alguma coisa se ele for rico, pobre não vale nada. Se você olha pra uma bicha
velha, pobre e arrasada, ela esta lascada. A pessoa que é homossexual tem que
estudar, se formar, procurar ser gente. Pois mesmo que não consigam respeito
pelo lado humano, conseguirão pelo lado social, pelo status, pela imposição que
a condição social lhe dar. Pois no Brasil ainda temos essa cultura de todo
mundo só valer o que tem. Se a pessoa tiver uma galinha, vale uma galinha. Se
ela não tem nada, não vale nada, infelizmente.
VEJA O QUE ALGUMAS PESSOAS LIGADAS AO MOVIMENTO LGBT DIZEM SOBRE MONIQUE ALVES:
"Sua Força de Vontade, é um incentivo."
Maria Laura dos Reis - Grupo Piauiense de
Travestis e Transexuais do Estado do
Piauí
"Simplesmente mulher
Forte,guerreira e firme nos seus
pensamentos."
Farias Filho - Ministro de Louvor da Igreja da Comunidade
Metropolitana
"
"A RESISTÊNCIA DE CADA TRAVESTI POR SUA IDENTIDADE DE GÊNERO É REFORÇO NA TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE."
VÍTOR KOZLOWSKI
COORDENADOR DO CENTRO DE REFERÊNCIA LGBT "RAIMUNDO PEREIRA"
"PARAFRASEIO MILTON: MONIQUE ALVES É O TOM, É A COR É O SUOR É A DOSE MAIS FORTE E LENTA UM SER HUMANO QUE MERECE VIVER E AMAR COMO OUTRO QUALQUER DO PLANETA."
REVERENDO JOÃO LEITE - ICM TERESINA