sexta-feira, 28 de outubro de 2016

TEOLOGIA TRANS PARTE 3 (OUTROS PERSONAGENS TRANS)


OUTRAS (OS) PERSONAGENS TRANS
 
A Transportadora de Jarro do Novo Testamento é certamente o principal modelo bíblico de uma pessoa trans, mas existem outras personagens que também podemos interpretar como pessoas que estão além do binarismo conhecido de gênero.

Um outro exemplo óbvio é o de José, filho de Jacó, de Gênesis 37-45. A Bíblia diz que Jacó amava José acima de qualquer outro de seus filhos e que, quando completou 17 anos, ele lhe fez "uma veste longa com luvas" ou um "casaco de muitas cores", que José parecia usar habitualmente. A expressão hebraica é passim kethoneth, e o outro lugar no Antigo Testamento em que a ela aparece é 2 Samuel 13:18, para descrever a roupa da princesa Tamar, especificando que "assim se vestiam as filhas virgens dos reis". José usava literalmente uma roupa de princesa aos 17 anos, e seu pai o amava do mesmo jeito. Este é o jeito da Bíblia nos ensinar a lidar com crianças que gostam de se vestir de uma maneira não codificada de gênero, mesmo sabendo que isso poderia acarretar desconforto. Amá-las de qualquer maneira. Mas seus irmãos não entendiam assim, e, fingem sua morte e o vendem como escravo. Ele é comprado por uma pessoa descrita como saris, chamado Potifar, treinado para ser um um saris oficial do palácio. José também ficou famoso por rejeitar os avanços sexuais de sua mulher. Na verdade, sua história prossegue e o jovem torna-se um excelente oficial do palácio, executando tudo no Egito para Faraó. O texto não o chama de saris, mas certamente o descreve como um, embora tenha casado e tido filhos. Ele se torna um patriarca masculino bastante convencional, mas nitidamente brincou com o gênero desde o início de sua história e, provavelmente, enquanto trabalhava para Faraó.

Consideremos o caso de Daniel. Ele e seus três companheiros são capturados pelos babilônicos, e, depois treinados por três anos para servirem como funcionários do palácio, por Aspenaz, eunuco chefe do rei. Alguns estudiosos defendem uma relação erótica entre Daniel e Aspenaz, e entre Daniel e o Rei Darius. Várias traduções obscurecem isso, mas Daniel 1:9, faz referência tanto sobre a benevolência (khased), quanto a um sensível amor (rakhamin), no hebraico. Daniel 14:2 (encontrado em Bíblias católicas e em Bíblias judaicas mais antigas, mas deixado de lado nas protestantes), especifica que "Daniel era o companheiro do rei e o mais íntimo de seus amigos". (No aramaico a palavra é Rahme e no grego simbiontes). Não se sabe ao certo se Daniel dormiu ou não com o chefe dos eunucos e mais tarde com o Rei, mas, é certo que ele e seus companheiros foram treinados como sarissim, e como magos encantadores, que, depois de testados e julgados, tornaram-se aqueles que "se apresentam diante do rei". Mas na cultura Mesopotâmia, o conjunto da frase designava aqueles que "não tinham órgão masculino, nem feminino", onde Enki (um dos deuses criadores) foi designado para ser mago que trabalhava para o Rei. Daniel é empurrado para o papel e expectativas culturais de um eunuco babilônico, e, nitidamente rejeita alguns de seus aspectos (comida, religião, etc.), mas aceita outros. Ao contrário de José, que parece estar fora do papel de saris da época, Daniel nunca se casa e nem tem filhos, e na verdade pode muito bem ter servido ao Rei. Da mesma forma Neemias é descrito como "copeiro" do rei Artaxexes I, e parece agir como um saris. Ele aparece diante da rainha sem nenhum problema em Neemias 2:6, e a tradução da septuaginta o descreve explicitamente como eunouchos (em vez de copeiro), apesar de nossas cópias do texto hebraico não o especificar como saris.

A Bíblia não chama especificamente José, Daniel ou Neemias de saris, mas existem várias outras personagens simpáticas que ela chama de eunouchos: Potifar, que compra e treina José (Genesis 1:39), Aspenaz, sábio mestre de Daniel (Daniel 1:1-21), Ebede-Meleque, que resgata Jeremias (Jeremias 38:7-10), e um funcionário etíope sem nome que interage com Filipe (Atos 8:26-39), etc.

Você pode até colocar Adão, Jesus, Eva ou mesmo Deus como pessoas Trans. Andrógino é uma palavra emprestada do grego para o hebraico, e é usada principalmente para argumentos rabínicos sobre Deus sendo de ambos os sexos, feminino e masculino e colocando Adão da mesma forma, antes da fusão de Eva, se tornando masculino depois. Isso faria de Adão uma pessoa Trans. É difícil dizer até que ponto Eva esteve presente como Adão antes de ser formada por Deus em um ser distinto, mas pelo menos me parece possível que Eva também fosse masculino e feminino presente como uma parte de Adão antes de ser formada em um ser distintamente feminino por Deus. Isso provavelmente faria com que ela não fosse apenas uma mulher, mas também uma mulher trans. Pelo menos se imaginarmos essa pequena porção, isso será mais que apenas metáforas e alegorias. Como isso funciona no caso de Deus e Jesus não é nítido, mas fica sensível nos detalhes do relato da trindade e da encarnação. Existe alguma força que nos leva a pensar em Deus como ambos os sexos, masculino e feminino antes de Jesus na encarnação. Quando todos os homens e mulheres são criados à imagem de Deus. Se a segunda pessoa de Deus participou tanto da criação da humanidade e da encarnação como Jesus, então com certeza parece que ele teve que passar por uma transição de gênero de ambos os sexos masculino e feminino, tornando-se apenas o sexo masculino, em algum momento, logo após a criação dos seres humanos, ou durante o processo de encarnação. A não ser, talvez, que Ele fosse um eunuco, o que alguns dos primeiros cristãos acreditavam. No processo de tornar-se humano, Ele provavelmente também se tornou homem. Ele também, parece um homem trans nesta interpretação, e na verdade é muitas vezes comparado a Adão. E para a grande maioria dos cristãos, Ele ainda faz parte da Trindade, e assim, Deus como um todo tem agora uma persona estritamente masculina, assim como o Pai e o Espírito Santo, que são mais polivalentes.

Fonte: Escritos do Rev. Cindi Knox (homem trans).

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