terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sair do Armário como um Sacramento


Um sacramento é um ato que media a graça e o mistério de Deus. Sair do armário é como um sacramento para os crentes gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, porque nos coloca em um caminho no qual manifestamos a graça de Deus em nossas vidas, pelo resto das mesmas. Sair do armário é crucial para nosso desenvolvimento espiritual, porque nos permite iniciar uma jornada de integrar nossa identidade LGBT em toda nossa vida. Ou para dizê-lo de outra forma, adotar nossa identidade LGBT é um convite a entrarmos em nossa jornada espiritual.
Quando assumimos que somos parte da comunidade LGBT, lésbico-gay, bissexual e transexual,  e reconhecemos quem somos na realidade e para que temos sido criados, é um desses momentos “libertadores” em nossa vida espiritual. Os momentos em que assumimos, são momentos de convites que sucedem ao longo de nossa vida, e nos quais alcançamos a capturar chispas de nossa verdadeira natureza divina: o autêntico e verdadeiro ser que é a imagem de Deus em nós.
Este ser verdadeiro vai recobrindo-se, de camada depois camada, com “coisas” da vida. Nosso ser verdadeiro, a imagem e semelhança de Deus, se reveste de um falso eu, conformado por medos, nossos mecanismos de defesa e nossas técnicas de sobrevivência. Para a gente LGBT, parte desse falso eu é uma identidade que nos forçamos a encarnar, baseados em nosso condicionamento dentro de uma cultura heterossexista. Crescemos com fortes mensagens que são contrárias a nosso verdadeiro eu. Acumulamos camadas do falso eu, tratando de encaixar dentro de um ideal heterossexista. Quando saímos do armário, deixamos seguir esta falsa imagem e começamos o processo de fazer dar lugar ao verdadeiro eu, para que surja tal qual Deus o quis. Estamos então imersos em um trabalho de transformação. 
Tema CentralChris Glaser, autor de Sair do Armário como um Sacramento, afirma que sair do armário é o tema central nas vidas das pessoas LGBT. Indica que a expressão teve sua própria história na cultura lésbico-gay. Antes da segunda guerra mundial, ‘sair do armário’ era um evento de iniciação com o que uma pessoa era apresentada na sociedade homossexual. Não foi se não até os anos 60’s que “sair do armário” começou-se a associar com o ato de que alguém oculta sua identidade sexual, o qual já se conhecia como “estar dentro do armário” (o armário) Para Glaser, sair do armário é um ‘sacramento único, um rito de vulnerabilidade que revela o sagrado’ nas vidas dos fiéis Queer (termo em inglês, semelhante a marica ou invertido, como uma palavra reclamada e antes usada pejorativamente, hoje voltada semanticamente pelos afetados, hoje oltada semanticamente pelos afetados, hoje ativistas lésbico-gays, como termo de auto-identificação e orgulho desafiante, que refere a luta de etiquetas repressivas e normativas do sistema heterossexista.–N. Do T.) Glaser também afirma que sair do armário é um tema central nas Escrituras:
Sair do armário é nas Escrituras, um tema que se dá de uma forma em que a homossexualidade não se dá. Esta última tem tantas como cinco referências discutíveis. Mas sair do armário é um tema recorrente, se não é que central, de a Bíblia, facilmente reconhecível para quem lhes é familiar a experiência e processo de sair do armário como lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, o como família, amigo e simpatizante de alguém que o é. Estes enlaçam nossa própria experiência com aquela de nossos antepassados espirituais, e nos abre ademais, a universalidade dos processos nos que se dá e se transforma a vida ao sair do armário para cada ser humano. Assim como revelar-se ante Deus lhes abre aos escolhidos o chamados na Bíblia, ante a própria revelação de Deus, assim também nossa vulnerabilidade cria um santuário de boas vindas para a auto-revelação de Deus.
Glaser segue explicando que sair do armário é aplicado como hermenêutica para re-examinar as Escrituras, um novo olhar à histórias familiares, agora lidas sob a lente de sair do armário. Identifica os temas de revelação em histórias tais como o Jardim do Éden (sair do armário da inocência e a vergonha), o livro de Êxodo (sair do armário da opressão), o livro de Ester (sair do armário do privilegio), e da mulher Samaritana, assim como em João 4: 1-42 (sair do armário revelando-nos como nós mesmos).
Um Profundo Processo EspiritualA teóloga lésbica feminista e clériga Episcopal Carter Heyward, enfatiza que sair do armário é um processo que contém uma tensão dinâmica que é frutífera, tanto em termos de solidariedade com os demais como na manifestação do divino nas vidas de personas LGBT. Ela identifica ‘uma profunda tensão teológica’ entre a revelação e o ocultamento, que opera não só nas vidas LGBT quando começamos a negociar o armário, mas também na natureza da revelação divina em si mesma:
 
Como não podemos suportar muita realidade, a presença de Deus (masculino e feminino aqui), está oculta com freqüência ante nós: não nos percebemos do que é bom até que estamos prontos para gerar as condições para ele. E sem então, o conhecimento de Deus pode ser convocado. Está disponível para nós, quando seja que estejamos prontos. O que não vemos também é importante para o que sabemos e de como cuidamos de nós e entre uns e outros, assim como em nossas relaciones. A revelação, da divindade, e a plenitude de a humanidade, é questão de sincronia, de como temperamos nossas capacidades para arriscarmos para ver e mostrar nossa bondade, quando já estamos prontos para viver coerentemente o que vemos.
E agrega:
E em lugares ocultos de nossas vidas, se podem fazer preparativos, inclusive agora, para habilitarmo-nos a fim de responder nesses momentos caóticos nos quais o momento é o adequado para que nos abramos mais plenamente, uns aos outros, e ante o mundo em geral. Como o pão, temos sido preparados para nos cresçamos.
Heyward nos alenta a quem somos, como gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros, a reconhecer que nossa saída do armário tem um profundo efeito em nós mesmos e nos demais. Ela nos chama a sermos responsáveis e honestos sobre a maneira em que como, sendo portadores de nossa sexualidade, isto nos leva para uma ‘relação carreta’ com o mundo.
A terapeuta Kathleen Ritter e o sacerdote Católico Romano Craig O’Neill escolheram e nos oferecem, de seus anos de trabalho com clientes gays e lésbicas, outro modelo de sair do armário, como um processo espiritual. Em seu livro Sair do Armário Interior: Etapas do Despertar Espiritual para Lésbicas e Gays,  aplicam um modelo de oito etapas de perdas a estas historias de sair do armário. Ritter y O’Neill afirmam que sair do armário implica o deixar ir ou ir perdendo a imagem de vida heterossexual, falsamente construída. Seu modelo de perdas inclui as etapas de conscientização inicial, apego, desapego, consciência de perda, ganhar perspectiva, integração de perda, reformular perda, e transformação de perda. Ambos expressam que avançar por este processo de perda, dá uma profunda cura psicológica e espiritual. No fim das contas, é um processo que avança da morte, para a vida:
Durante séculos, os gays e as lésbicas viveram com a morte, tanto psíquica como física. Nas antigas culturas, se lhes dava o papel de “parteiras” ou companhias para quem morria e davam luz a uma nova vida... Hoje, as pessoas de uma orientação para seu próprio gênero, são ainda muitos os proscritos da cultura, e sua marginalização uma vez mais, lhes colocam em uma posição privilegiada para eleger para si mesmos, uma imagem de vida qualitativamente diferente. Em outras palavras, ter tão pouco que perder em termos de status, respeitabilidade ou prestigio, podem começar a ver-se a si mesmos como quem têm sido libertados das amarras da sociedade. As perdas se convertem em ganâncias, e as mortes em ressurreições.
Sair do armário é um processo que implica não só reconhecer a própria orientação sexual, e sim também a integração à vida da própria sexualidade.
Saindo, EntrandoHá outra capa neste processo de sair do armário, que está implícita mas que não tem nome, nestes modelos de várias etapas: sair do armário espiritualmente. Como Ritter e O’Neill o mencionam, as pessoas Queer tem uma rica herança como pessoa espiritual. Para muitos, parte da saída do armário inclui reclamar tal herança. Christian de la Huerta descreve a história espiritual de pessoas LGBT como chamãs, sacerdotes, curandeiros,  intermediários, pessoas com dualidade espiritual e guardiões da beleza. De la Huerta afirma que sair do armário também implica entrar, as pessoas LGBT entram para descobrir seu verdadeiro eu espiritual.
Sair do armário espiritualmente para muitos não só é reclamar a história espiritual LGBT para nós, e sim que é arriscar-se a ser identificados como pessoas espirituais dentro da comunidade lésbico-gay. Aqui subjáz uma ironia: Os crentes LGBT, nos arriscamos a ser ridiculizados e rejeitados pela comunidade heterossexual e por nossas comunidades religiosas tradicionais, quando proclamamos nossa orientação sexual, e nos arriscamos a que nossa própria comunidade nos ridicularize e rejeite quando proclamamos nossas identidades espirituais. De la Huerta cita a uma ministra lésbica que experimentou tal ironia:
Todavia não está ‘na moda’ ser um crente queer....  temi ser considerada como traidora por esta mesma comunidade que tanto amava. Para muitos de nós, ainda é nosso segredo que cremos em algo. Ainda é nosso segredo o que praticamos, e que participamos da igreja. Até pedimos desculpas por isso. Temos tanto medo sair deste armário como pessoas espirituais ante as pessoas queer, tanto como temos medo de sair do armário como pessoa queer ante as pessoas hetero.
Uma Saída do Armário na BíbliaUma das historias mais poderosas de ‘saída do armário’ em todas as Escrituras, é a história do êxodo Hebreu de Egito, a mesma que encontramos no segundo livro da Bíblia: o Êxodo. Esta historia demonstra como um diversificado grupo de pessoas chamado “os Hebreus”, saíram de seu cativeiro e escravidão, ao dizer “sim” à oferta que Deus lhes fez para libertá-los. Este dizer sim a Deus e arriscar-se a um futuro incerto, os colocou em um caminho de transformação. Quando saíram do Egito, literalmente se transformaram no povo de Deus (cf Ex 19:3-6).
Esta nova identidade não se deu da noite para o dia para os Hebreus, nem aconteceu no momento em que cruzaram o Mar Vermelho.  Esta nova identidade foi o produto de uma gradual transformação, do ir aprendendo entre os altos e baixas do deserto, sobre  o que significava viver plenamente esta nova forma de ser.
Quando os Hebreus saíram do Egito, se desfizeram de uma velha identidade, e começaram a adotar uma nova em relação com o Deus que lhes havia livrado e lhes havia feito um chamado. Houve momentos em que tiveram medo no deserto, o território desconhecido de sua nova identidade. Com antigos e familiares armários de escravidão (Ex 16:1-3). 
Eventualmente, chegam à terra que Deus lhes havia prometido, e Deus lhes instrui a que sigam contando a historia de sua saída  (Ex 12:24-27). Os Hebreus (hoje chamados Israelitas) mantiveram viva a história do Êxodo (sua saída ‘do armário’) através de sua narrativa contínua, para que as futuras gerações pudessem participar de seu poder e realidade. 
Esta história tem importantes lições espirituais para as pessoas  LGBT crentes que adotam sua saída do armário como um sacramento. Deus nos faz um chamado; para viver vidas autênticas como pessoas LGBT, e quando dissemos que sim à Deus, nos colocamos em um caminho de transformação que dura toda a vida. Deixamos atrás nossa velha identidade do armário, e quando, as vezes, caminhamos por um território desconhecido de nossa nova identidade, somos convidados, como os Hebreus, a confiar em que Deus vai conduzindo-nos nesta jornada.
Sair do armário como sacramento, é o mais poderoso aspecto do sacramento, é a capacidade para que muitos participem desse poder. Assim, como fieis crentes LGBT, continuemos narrando nossas histórias, para que as presentes e futuras gerações possam participar de seu poder e realidade. 

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